Tecnologia substitui responsabilidade? o risco invisível de trocar pessoas por máquinas sem respaldo técnico
O avanço da automação nas empresas e condomínios pode representar inovação ou um passivo trabalhista inesperado. Perito alerta: substituir profissionais por sistemas digitais exige cautela
O avanço da automação nas empresas e condomínios pode representar inovação ou um passivo trabalhista inesperado. Perito alerta: substituir profissionais por sistemas digitais exige cautela, análise técnica e respeito às normas coletivas.
Em meio ao avanço da automação e à popularização de sistemas inteligentes, cresce no Brasil uma onda silenciosa de substituições tecnológicas no ambiente de trabalho. Portarias virtuais, assistentes automatizados, softwares de gestão e ferramentas de vigilância estão, cada vez mais, ocupando o espaço de funções antes exercidas por pessoas. Mas junto com a inovação, surge também um dilema jurídico ainda pouco discutido: até onde é legal e seguro substituir profissionais por tecnologia?
Recentemente, um caso ganhou repercussão nacional: um porteiro, demitido após anos de serviço em um condomínio, foi substituído por um sistema de portaria remota com inteligência artificial. O condomínio foi condenado a indenizar o trabalhador com base em uma cláusula da convenção coletiva que proíbe a substituição de funcionários por tecnologia terceirizada.
Embora isolado, o caso ilustra uma realidade cada vez mais presente e ainda mal compreendida.
Inovação sem análise pode custar caro
Para o perito judicial Edgar Bull, engenheiro civil e especialista em segurança do trabalho e gestão de riscos ocupacionais, o movimento de modernização é esperado, mas precisa ser conduzido com responsabilidade e embasamento técnico. "A tecnologia avança rápido, mas a legislação trabalhista continua sendo o parâmetro para decisões estratégicas. Se a empresa ou o condomínio ignora isso, corre sérios riscos de ser surpreendido judicialmente", afirma.
Segundo Edgar, o erro mais comum é a falsa suposição de que eficiência operacional justifica qualquer substituição. Em muitos setores, existem convenções coletivas, normas regulamentadoras e diretrizes jurídicas que limitam ou condicionam esse tipo de mudança. Substituir um profissional por um sistema automatizado, sem análise técnica e jurídica, pode configurar infração contratual ou até violação de direitos adquiridos.
A importância da perícia técnica preventiva
Diante desse novo cenário, a perícia técnica preventiva tem se tornado uma aliada importante para empresas e gestores que desejam inovar sem comprometer a segurança jurídica da operação. Edgar Bull explica que uma análise técnica especializada permite identificar:
- Existência de cláusulas sindicais que impedem a substituição de funções humanas por tecnologia;
- Riscos de passivos trabalhistas decorrentes de desligamentos ou reestruturações tecnológicas;
- Incompatibilidades legais entre o novo sistema adotado e a função anteriormente exercida;
- Necessidade de requalificação ou reaproveitamento dos profissionais envolvidos.
"Uma simples decisão administrativa pode desencadear uma série de consequências jurídicas, financeiras e sociais. O papel do perito é antecipar esses riscos, orientar tecnicamente e evitar que a empresa descubra tarde demais que 'a modernização custou mais do que deveria'", destaca Edgar.
Automação exige estratégia, não impulso
O que antes era uma tendência já se tornou realidade. Sistemas digitais ocupam postos em portarias, linhas de produção, atendimento ao cliente e até em funções administrativas. Mas os desafios de gestão, ética e legalidade acompanham esse avanço.
A substituição de pessoas por máquinas precisa ser planejada com visão estratégica, embasamento técnico e diálogo com a legislação trabalhista vigente. Decisões impulsivas ou baseadas apenas em custo-benefício podem gerar ações judiciais, indenizações, danos à imagem da empresa e conflitos com sindicatos e categorias profissionais.
Modernizar um ambiente de trabalho não é apenas uma escolha técnica, é também uma responsabilidade jurídica. Substituir pessoas por sistemas automatizados sem respaldo técnico e sem considerar os acordos coletivos pode comprometer os resultados que a empresa pretende alcançar com a inovação.
"A tecnologia pode transformar a produtividade de um negócio, mas só quando vem acompanhada de responsabilidade e análise criteriosa. A perícia preventiva é a ferramenta que garante que o futuro seja promissor e não litigioso", conclui Edgar Bull.
Edgar Bull – Engenheiro e Perito Judicial Especialista em Segurança do Trabalho
Edgar Bull é Engenheiro Civil formado pela USP, pós-graduado em Engenharia de Segurança do Trabalho e Higiene Ocupacional e bacharel em Direito. Com uma trajetória sólida e ampla experiência em perícias judiciais, ele atua como perito nos Tribunais Regionais do Trabalho da 2ª e 15ª regiões, além de ser membro ativo da Comissão de Perícias da OAB e professor de pós-graduação do SENAC. Responsável técnico pela EST da METRA (Medicina e Assessoria em Segurança do Trabalho), Edgar é referência em segurança do trabalho e avaliação de riscos, com um olhar especializado para a proteção dos trabalhadores e a conformidade legal das empresas.